Caro e estimado amigo


Olá caro e estimado amigo Costa, Chalil
Regozijei-me quando os meus olhos divagaram sobre as tuas palavras, é sempre um prazer jucundo quando tenho notícias suas. Foi muito bom te ouvir falar sobre rios, igarapés e valores da vida... Lembrei da incrível habilidade que tens para dar rodeios preliminares antes de contar uma grande notícia, e eu muito aprecio esta prática, porque ao saber do final percebo que tudo o que foi dito outrora, implicitamente, faz sentido agora...
Ao que pude perceber foi ateado fogo na velha lareira, limparam as prateleiras, foi posta a mesa, um bom vinho para aquecer e sentimentos verdes esperando amadurecer. É Bom saber que sentes isso de novo, algumas vezes na vida precisamos sentir isso para que saibamos que não nos tornamos no que éramos antanho, tão feios e tristes quanto a palavra antanho, a falta de paixão nos torna insípidos e acomodados, mortos como o nosso passado. Somos movidos pelas paixões, como falei outrora a solução para o mundo é se apaixonar e completo com uma frase minha que diz que, na vida só se lucra o que se come, a cultura que se consome, os lugares que se conhece e as mulheres por quem nos apaixonamos, porque de tudo isso extraímos lições para toda a vida, principalmente no que concerne a erros nesta efêmera lida, afinal o único homem que nunca comete erros é aquele que nunca faz coisa nenhuma. E nós, enquanto poetas, precisamos ser livres para arriscar algumas, e eu, fico feliz porque ao invés de muros eu construí pontes, pontes que me levam até você e até as coisas que dou valor, que me dão prazer e inspiração, os muros, ao contrário disso nos enclausuram e cerram os nosso horizontes, e um homem sem horizontes equipara-se ao ser que possui muitos livros e não sabe ler.
Também posso dizer que a minha velha lareira está acesa, justamente quando o inverno chegou pelas bandas de cá. Depois de uma vida dentro de um casulo finalmente saio dele, e conheço aquela que para mim é a própria imagem e sentido da palavra paraíso. Me tornaria um homem bomba se Alá me prometesse isso. Tenho uma porção de sentimentos guardados por todos os lugares, gavetas, estantes e prateleiras com todos os tipos de emoção por mim vividas, no entanto essas experiências devem ser lançadas na fogueira, porque essa de agora é diferente, como a sua situação, eu também ainda não a vi pessoalmente, mas a vontade de tê-la bem perto de mim é tão forte que chego a materializá-la mormente, ao olhar as fotografias eu sinto paz de espírito, converso com os seus olhos, e eles me falam o que gosto de ouvir, o seu sorriso de chocolate branco ao leite me leva a imaginar o sabor dos seus lábios e a iguaria de um beijo seu, os traços da sua face me fazem entender o quanto o melhor dos artistas ainda é amador. Olho para os cabelos, aproximo a imagem do meu rosto e quase posso sentir o cheiro, o adorável aroma das melhores flores colhidas no jardim do Éden, um perfume tão envolvente que me sinto embriagado em um misto de êxtase e sensualidade depurada. Sua pele... Ah! sua pele, clara como a luz dos faróis em noites de tormentas, os pêlos dos seus braços assemelham-se com a fina seda dourada e a maciez da sua tez é maquiada com o pó das estrelas.
Um dia desses eu ouvi sua voz, e uma sensação de arrebatamento me tirou o chão... Quando canta, acredito nas lendas das sereias que encantavam os navegantes mitológicos e os matavam afogados, prudente seria acorrentar-me, todavia não há forças para isso, de mim, não levaria apenas o coração, mas o meu barco, o mar e uma via láctea inteira de verdades, certezas, argumentos e teorias de beleza que passei a vida inteira arquitetando e hoje não fazem mais o menor sentindo, pois o meu sentido agora é um só, admirá-la sobre todas as coisas. Sua voz é uma ordem e exala uma candura surreal, são tantas as qualidades que fazem dela uma farmácia para os meus males, tudo que provem dela me faz bem, espanta os meus receios, preocupações e as pétalas do malmequer. Quando ela bate a minha porta, a solidão pula a janela, a tristeza escapa pela fresta e meu coração, feito menino bobo sorri para ela, quando simplesmente me diz: “Hoje o dia está tão bonito”. E eu busco sentindo e o encontro quando entendo que um dia belo nada mais é do que a nobre expressão do mundo para agradecê-la por habitar na face da terra.
Ah! Querido amigo, não tenho palavras para expressar o prazer que sinto, se fosse trovador tocaria mil odes, se soubesse escrever faria uma enciclopédia de 162 livros, um para cada centímetro do seu corpo. Se soubesse pintar faria 720 quilômetros de pinturas barrocas para que ela pudesse pisar e caminhar ao meu encontro. Sabe Chalil, a oportunidade apenas dança com os que já estão no salão, e eu já encontro-me nele, com indumentárias do século passado, uso um terno tão terno, adornado com broches de sentimentos eternos. Eu quero conquistá-la, dançar com ela, ouvi-la cantar, tocar para sua voz acompanhar, senti-la adormecer em meus braços. Vivaldi quando compôs primavera sabia o que estou sentindo hoje e Chopin quando tocou os noturnos sabia o que sinto em estar assim, tão distante. Afinal o meu relógio marca minutos de tamanhos diferentes, minutos grandes e pequenos constroem o meu tempo, com horas pequenas com ela e eternas sem ela. Sofro com isto, porque sendo eu Adão, meu paraíso é onde está Eva. Talvez tudo isso pareça uma loucura, e se for, como Erasmo de Rotterdam, eu elogio esta loucura que me tem levado a lugares que a razão está aquém, na sua ignorância de concreto armado que constrói escadas de mármore que apenas descem, com seus corrimões de carvalho. Prefiro as escadas de nuvens de algodão doce que sobem para um sentimento inexplicável e quanto a mim, não importa se construo sonhos concretos em alicerces abstratos. No momento o que me importa é ser tomado por essa paixão até o último átomo. Talvez essa história seja talhada a ferro e fogo em uma placa de bronze, ou numa praia que brevemente a maré vai subir e apagar antes das onze.
No entanto tudo o que quero é revelar o que até então estava subentendido, falar desse amor, que depreciou todos os amores platônicos que viraram literatura romântica em mais de 5 mil anos de inteligência na terra.
Para encerrar, prezado amigo, gostaria de dizer que passei a gostar ainda mais de ti, por saber que estás apenas há algumas centenas de metros de distância dos aposentos desta, que transformou meus dias da água para o vinho. Deixo aqui, a certeza de que muito em breve, hei de ir te visitar, e quem sabe, também a possa encontrar... e o meu jogo antigo de palavras cruzadas (relacionamento com 9 letras) possa finalmente completar. Pois mesmo estando na gaiola não estou privado de adejar e nem tampouco de sonhar.
Espero sinceramente que volte a me escrever:
Izaú Melo