Estou aqui, sujo e destronado mas ainda vivo
Morri ontem e ontem mesmo renasci
Sou eu embora já não me conheça
Ainda tenho marcas não cicatrizadas
Cheiro de morte e envolto em mortalhas.
Percorri distâncias imensuráveis só para te ver pela última vez.
Atravessei bosques, pântanos, charnecas e fronteiras
Só pra te devolver a coleira
Não tenha medo não quero machucá-la.
Vim apenas te mostrar o monstro que sou
Comendo das migalhas que caiam da tua mesa
Latindo no quintal enquanto você se divertia.
Outro com o físico e eu com o retrato
Você optou pela vida, por mudar de clima
E eu fiquei no inverno, no escuro eterno.
Abra os olhos e veja o quem sou
Frankstein? Corcunda de Notredame? Fantasma da ópera?
Pior que isso um famigerado desmedido.
Sem identidade muito aquém da vaidade.
Troquei a “alegria” pela liberdade.
A fantasia pelo espelho.
Hoje consigo olhar pra mim mesmo,
Sinto pena e desgosto ao ver um ser destruído,
Único sobrevivente de um genocídio
Que queria também ter morrido, agora que nada mais faz sentido.
Todavia o pacto está desfeito, já não há mais vínculos
Troquei promessas por ar e os sonhos por símbolos
O meu exagrama de sal já foi desenhado
Estou protegido contra o descaso
Não importa o que a deusa possa te dar
Tampouco quantas magias pretendes usar
Desafio-te a tentar
Você me perdeu, em vida e sonhos
Seu escravo fugiu do calabouço aos quilombos
Apesar de livre não haverá festa
A desgraça acaba, mas o amargo é o que me resta.
A noite lívida a solidão é enorme
Tudo dorme e em prantos, parte de mim é morte
Eu grito e a dor é minha consorte
Eu vim apenas para te dizer que
Tudo isso acontecia, enquanto você dormia.
Izaú Melo
Enquanto você dormia
10:15:00
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