Constantino MonteCruz:
Vem! Levanta-te do teu leito para que comigo possas adejar,
A noite está lívida, caba, para o nosso rito começar.
Amélia:
Quem é esse que ousa despertar-me do eterno sono
Depois de nada ter e futuro não ver em tão crível abandono?
Quem é esse que faz dos cadáveres reféns?
Vamos diga-me o que queres e de onde vens?
Constantino MonteCruz:
Depois de florestas mórbidas, campos perdidos,
Catedrais góticas, cemitérios vivos
Labirintos para a alma, no terror impera a calma. Esse é o local,
Sob a macilenta lua, estrelas maduras e nuvens de metal.
Sou MonteCruz, do Fantasma misantropo o que foi depurado
Estive cego, surdo, amando, mas por ti fui e hoje estou curado
Ouves o órgão que sozinho toca melodia funesta,
São acordes melancólicos, que sonoriza dos mortos a festa
Sinfonia da escuridão mais pesada que o céu,
Sonata noturna, minha noiva, retirai-vos o véu.
Amélia:
Ponha-me como adorno em teu coração
Toque meus pulsos rubros com suas mãos
Mãos delicadas que as nuvens parecem invejar
Tão funestas e lívidas que minhas dores parecem acalentar.
Constantino MonteCruz:
Flores mortas, velas tortas, vitrais desconexos,
Trouxe cálice, punhal,
Ósculo, penumbra e castiçal...
Pedaços de amplexos
Amélia:
A vida nos exalta, a lua míngua, as águas calam-se por nossas vontades
Da vida que tive já não tenho saudades
Sinto o frio congelante de quarenta invernos
Esquenta-me com teu corpo e vela-me a desgraça dos sonhos eternos.
Constantino MonteCruz:
O mundo é pequeno e parco, fugaz para nossa dor,
E nossa adstrita e anódina cripta é grande demais para nosso amor
Lacero minha tez, um dia nasci, hoje morro eu de tédio,
Entre rosas negras, lágrimas e sedas, procuro amargamente remédio.
O que tens para mim?
Amélia:
Amor sem fim.
Dar-te-ei o beijo daviva morte
Para que um dia digas que na existência teve sorte
Da vida se desfez e comigo reinará na imensidão de um lugar
Que a tristeza de ti não terás o que arrancar
Constantino MonteCruz:
Para preservar tua derme, labutei com assaz Afinco.
Capturei o sol, torturei e o guardei numa garrafa de tinto.
Vem! Chora comigo a eterna perda, já não somos mais inocentes.
Tendo você, e nas minhas veias teu sangue inerente.
Amélia :
Alimente-se de meu sangue e proteja-me da dor
Beije-me como beija a mais bela flor
Derramaremos juntos lágrimas inocentes
Pois as dores agora já se farão presentes.
Constantino MonteCruz:
(com o punhal nas mãos)
Sinto o perfume que exala naturalmente do teu corpo
Minha boca exige a tua num fantástico ritual de acordo
Sangro teus pulsos e transbordo um dos cálices sagrados
Dou-te o punhal para que sangre também os meus malogrados.
Amélia:
(com o punhal nas mãos)
Deixe-me adormecer em teus braços
Para que repouse nele meu cansaço
Sinto-me fraca e vulnerável minha carne parece inflamar
Quero com minha alma e meu sangue te alimentar
Como Julieta e Romeu pela eternidade nos amaremos
Pouco importa se final terrível igual a eles teremos.
Constantino MonteCruz:
(empunhando o cálice)
Vivo o meu momento que durará até o alvor da aurora
Antes que amanheça e eu morra, tomarei teu sangue agora!
(tomando o cálice)
Conforme o rito, teu sangue corre em mim e meu corpo será teu.
Não importa a distância, já não nos separaremos nem pela voz tonitruante de um adeus.
Amélia:
(empunhado o cálice)
Tomarei teu doce e mortal sangue de valor sem conta
Nosso amor aos bravos temporais defronta
E a mim parece da vida aliviar
O cansaço e a dor que minha alma parece alcançar
Constantino MonteCruz:
Meu sangue corre em ti, teu sangue corre em mim,
Somos apenas um, dois corpos e uma alma afim.
Quero que chores comigo, que eu contigo também hei de chorar,
Desejo tirar teu negro véu, despir teu corpo em flor, e mortalmente o amar.
Entrar em ti igual à lua adentra a janela e repousa serenamente no meu leito
Adormecer dentro de ti e dar um sentido para o pulsar do meu peito.
Amélia:
Toma-me não só o corpo mais também a alma
Olhe a sua volta, a noite parece calma
Minha alma parece desfalecer
E em ti meu amor a de eternamente viver
Constantino MonteCruz:
Olha quão lindo é a manifestação dos anjos, da noite, do céu,
Estão nos dando as boas vindas à imortalidade com sabor de mel.
Chove agora, vamos sair e andar lá fora, por sobre os telhados,
Passear pelos cemitérios, contemplar os túmulos, juntar os pedaços.
Povoar sonhos, beber lágrimas dos vivos e comer literatura dos mortos.
Assombrar, templos, montanhas, charnecas, pântanos... portos.
Amélia :
Cansei de adormecer assim
De não ter quem chore por mim
E vivendo nos telhados a sobrevoar
Não vale a pena deixar
Que o mundo seja meu lar
Se não terei você eternamente ao meu corpo velar
Constantino MonteCruz:
Amélia! Meu corpo está cansado, querendo o teu, em acúmulo,
Preciso voltar para o quarto, te ter comigo, no antro... meu túmulo.
Preciso ouvir você dizer que será eterno, que serei teu e que tu sempre minha,
Do contrário serei o que sobra do nada, porque sem ti meu corpo definha.
Amélia:
O eterno parece bastante
Farei de ti meu infindável amante
E quando entre nuvens a lua o céu deixar
Minha alma a tua alcançará.
Constantino MonteCruz:
É hora de descansar, voltar para o lado de fora do espelho,
Saber que a tenho nos dois universos, em pele, pêlos, boca e cabelos.
Anseio novamente entrar em ti, como o leão ferido em sua caverna.
Repousar em teus seios como uma criança na segurança materna.
Tão terna,
Eterna.
Amélia:
(apenas chora)
Constantino MonteCruz:
Deveria agora, ser o fim sem indícios
Tuas lágrimas demonstram a beleza do suplício.. .
Onde minha esperança cumpre sua promessa
Exatamente aqui minha vida começa.
Autores: E. L. e I. M.
O Pacto - Em memória de um Amor
08:32:00
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