Sentimentos, sentidos e vinho tinto

O cálice rolou por sobre a cama, manchando de vermelho o alvo lençol.

Sinto-me fraco, meio tonto ainda.

O efeito tranqüilizador do vinho está passando como nuvens apressadas a favor do vento

E começo repentinamente a recordar de tudo e percebo os danos irreversíveis que tudo isso me causou

As cicatrizes de um sentimento involúvel, bestial, carnificínico.

Tento ler para esquecer, mas já na capa Neruda insiste em falar de você... da gente.

As páginas parecem com seu rosto e as letras só formam o teu nome. Em um jogo de palavras cruzadas; sem sentido, descrevem teu corpo, que para mim permanece abstrato.

No cimo da dor, no limiar da sensatez e da loucura, estou revendo um filme que não quer acabar, em uma TV que não posso desligar.

Estou acorrentado a um sentimento desnaturado, desprovido de contatos físicos. Uma felicidade teórica. Sem interatividade, apenas resumida a oito dígitos.

Que não me deixa te esquecer. Que me impede de cometer erros... talvez acertos.

Que não me deixa arriscar, uma certa covardia psicológica.

Um sentimento que me prende as pieguices de um escritor de romances mexicanos.

Um sentimento que contraria a lógica.

Os meus olhos apenas vêem, no entanto eu insisto em tê-la aqui, onde guardo as pessoas especiais, no meu relicário.

Você chegou sem avisar, entrou, apagou lembranças que outras haviam deixado. Se apossou sem pedir... talvez sem querer.

Fez de um surrealismo, algo tão concreto quanto as minhas mãos e o desejo incontrolável de te ter.

Não sei o que me levou a ser o que sou hoje, um vendaval interior. Só lembro de estar em paz quando você chegou.

Pensando em ti descobri que já não terei lucros. Que não posso depositar esperanças. Você já não me dá motivos para acreditar.

A tua honestidade é nefária, agressiva e irônica.

E eu mentecapto de sentir doer, de sofrer por não conseguir...

De sentir falta de algo que não é meu.

Se Freud ressuscitasse, tornaria a morrer na inútil tentativa de explicar essa minha “gravidez psicológica”. Que simula uma interação, um equilíbrio, um acréscimo do meu ego, um sorriso.

Odeio dizer que sinto falta, que gosto... que amo.

Que sinto saudades e acredito em fantasmas.

Odeio mais ainda dizer que choro, que escrevo, que sonho com miragens e ouço Norah Jones de vez em quando. Que fiz de você parte de dentro de mim...

Izaú Melo