Monólogo do espelho


Eu me questiono como e por que tudo acontece
De repente uma pessoa comum, de fisionomia e hábitos comuns, entre milhares de outros seres igualmente semelhantes, do nada se destaca pra você de forma inusitada, então o maior, mais espetacular e mais irracional dos fenômenos humanos começa a acontecer.
E aquela pessoa normal passa a ser uma criatura única, divinizada, anjo sem asas.
A mais bela, a mais interessante, a mais encantadora.
Aquela que simplesmente passa por você e o seu corpo harmonicamente reage, coração acelera, falta o chão, te arrepia, te excita...
E você constrói uma religião onde ela é o centro da sua adoração
Parece forte isso, mas é verdade, se é pra essa pessoa tudo é mais fácil, não existem sacrifícios, se for preciso você não dorme, não come, ela domina a tua mente de forma que geralmente é nela a última coisa que você pensa antes de dormir e a primeira que você lembra ao acordar. Você quer dar presentes caros que geralmente não compraria pra si mesmo.
Esquece de máximas do tipo: “O melhor amor ainda é o amor próprio” e “A capacidade de amar é a maior deficiência do ser humano”.
E esse sentimento vai crescendo, geralmente porque a sua mente e seu coração recebem algumas palavras ou gestos vindos dessa pessoa, e se encarregam de transformar latão em ouro, incrivelmente você fica burro o suficiente para enxergar de forma oportunista as coisas mais simples que a pessoa fala meramente por educação.
Depois vêm as manifestações de afeto e você compra presentes, bombons, flores, bugigangas tecnológicas, jóias, escreve, compõe ou desenha, se não sabe fazer nada artístico, pelo menos dedica músicas e filmes, ou então passa horas na internet procurando frases românticas para enviar por sms a essa pessoa.
E o tempo vai passando e você começa a ser chato, quer ligar o tempo todo mesmo estando sem assunto, manda sms, se desespera quando não te retorna.
Naturalmente você terá uma dificuldade colossal de se concentrar ou tentar demonstrar que a vida está normal, seus amigos provavelmente se cansaram de te ouvir falar demais nessa pessoa e o mais estranho pra eles é que provavelmente, nenhum deles serão capazes de verem, tudo isso nessa pessoa.
E daí pra frente duas coisas podem acontecer
Ou você é correspondido e começa a viver um novo “melhor momento da sua vida”
Ou você entra em um dos momentos mais dolorosos e interessantes dela, interessante porque é desses momentos que você mais vai crescer, vai ganhar experiência, calcular as perdas e quais erros não deverão ser cometidos doravante.
E começa então o processo de desintoxicação
A essa altura provavelmente você já sabe que não existiu a tal “química”
Difícil de entender, mas você não vai beijar aquela boca, você não vai sentir aquele corpo e ter a intimidade que só é concebida a um grupo extremamente seleto, que por sua vez poderá ser composto de caras bem inferiores a você.
E talvez um dia você sente perto dela e sem sucesso, tenta entender porque você está ali tão perto, mas não pode tocar, não pode beijar, acariciar o corpo...
e pra evitar danos maiores nem se atreve a pensar em um nível mais intenso de intimidade.
Daí você descobre que realmente não vai acontecer nada e se irrita porque não há nada que possa fazer, pensa que se houvesse um preço, por mais alto que fosse, faria com que te sentisses melhor porque existiria uma chance, no entanto não vai funcionar e o mais irônico é que, se talvez você ousasse dar tudo o que tinha ou mesmo à vida por um momento que fosse. Lamentavelmente, essa pessoa vai ser de outro, que talvez não faça absolutamente nada para merecer, que não vai sequer cumprir a lei do mínimo esforço, e você a vê em outros braços e tudo começa a ficar ainda mais distante...
E a dor chega ao seu estágio mais crítico
As músicas que alegravam agora maltratam, se existem fotografias que te fizeram sorrir e passar horas fazendo planos, agora só servem para estimular as lágrimas que escaparão contra a vontade dos seus olhos...
E você se sente feio, impotente, inútil, fracassado, frustrado por não conseguir tirar da cabeça, alguém que não pensa em você.
Difícil de entender, porque diante de tudo isso, você olha pra trás e vê quilômetros de dedicação, de investimento financeiro, de tempo, de talentos, olha até os versos que você arriscou fazer, da música com três acordes que tentou compor, das piadas que você ensaiou, dos argumentos bonitos que você leu em algum lugar e decorou pra impressionar, de repente você da risada de si mesmo e pensa no quão idiota foi, no entanto o mais engraçado acontece quando você olha pra tudo isso, e sem vergonha, admite pra si mesmo que faria tudo de novo por aquele sorriso, por aquele abraço amigo que você fez preces pedindo que se tornasse outra coisa. Lembrando das conversas mais quentes que terminaram em sentenças incompletas, com advérbios do tipo: “enfim...” ou “então...”
E você chora, se isola, mente dizendo que está tudo bem, alguns enchem a cara, outros se drogam, se prostituem, tentando inutilmente preencher esse espaço, que na verdade só vai aumentar o vazio, outros se matam e outros ainda escrevem esse tipo de ensaio
Mas não se sinta a pior e mais triste pessoa do mundo
Tente extrair disso coisas boas, pois quem consegue isso vira artista
(Pablo Neruda sofreu horrores para se tornar o melhor poeta da America latina e um dos melhores do mundo).
Você está no inverno da vida, mas uma hora isso vai passar.
Quer seja por outra primavera que te trará outros olhos, que hão de ver outros olhos, outro sorriso, outros cabelos loiros ou negros e talvez comece tudo de novo.
E tudo isso não passará de algo que vai render muitas risadas.
Ou talvez se torne um trauma, que você nunca conseguirá superar.
Sorte de um, azar de outro.
Essa é vida.
Esse é o mundo.
E esse, mais um ensaio que não conseguiu explicar o que acontece nos labirintos internos e complexos dos seres humanos.

Izaú Melo