Último Anseio.


Não se aproxime que eu pulo! Não dê mais um passo que eu atiro!
Se disser mais uma palavra contraria, eu corto os pulsos.
Tragam-na aqui, minha noiva gótica, a bailarina da minha caixinha de lástimas.
Nesse momento, só quero o que é meu. O que aprendi a sobrepujar.
Assim como Caim invetou a morte, inventei uma nova concepção de amar,
Entreguei-me a quem me fez acreditar na sanidade, no amor e na paciência,
Quem me fez promessas e juras de matrimônio. Outrossim, germinar minha semente.
Cansei de vagar errante pelos pântanos e charnecas da incerteza.
Nesses dias tão longos e incoerentes sinto a loucura me bater a porta.
Sinto-me um animal ferido, longe do seu território, destituído de vontade.
Nada mais me faz sentido e o inverno já chegou.
Longe de casa e dos estímulos vou sucumbindo.
Por favor! Se não consegue compreender me deixe morrer. Não minta dizendo que se importa. Não agüento mais sentar só a mesa. De passar a noite na companhia da solidão. Ouvindo o badalar dos sinos, a meia noite a meia taça de tinto, a meia felicidade.
Tire um peixe da água e diga-lhe umas verdades, encha-o de psicologia, convença-o a viver fora d’água e se tiver êxito, Eu me rendo ao seus argumentos.
Eu quero a minha metade! Quero a mulher que me deu sentido que aceitou meu amor.
Eu a quero, com suas depressões, seus fantasmas, demônios e infinitos problemas.
Eu a quero, com seu orgulho, lágrimas e descrenças.
Prefiro a tempestade em alto mar, brincar com a morte, do que a bonança insípida de outros braços. Melhor a cegueira do que não a ver. Melhor não ter tato que não tocá-la.
Ainda que a ouça dizer que não me ama, que não sou suficiente. Seu eterno dilema.
Apenas quero ouvi-la. Sentir sua pele, seu cheiro. Voltar a ser seu parceiro no cio.
Esquecer que existe raciocínio, que sou diferente de um animal.
Quero agir pelos extintos e morder quem diz que sou ridículo. Uivar pra lua.
Quero voltar a ser índio, apenas comer, beber e amar. Não me preocupar.
Quero protegê-la da crueldade do mundo, das críticas, das cólicas.
Devolvam-me a vida. Minha boneca, meu anjo, princesa da minha dor
Inspiração para os meus poemas falidos. Motivo para o meu sorriso lívido.
Tragam-na aqui! Se ela não puder ficar, matem-me ao amanhecer.
Num pequeno ritual, prepare-me uma taça, com seu sangue, cicuta e vinho tinto.
E deixe que eu passe mais uma noite com ela em nosso leito antigo.
Para que possa eu me despir da morte e da realidade nefasta que permeia minha existência. Deixe-me uma noite com o seu corpo nu, seu perfume natural e seus cabelos negros. Quero beijar cada centímetro do seu corpo, sentir sua pele e me desvencilhar de tudo. Esquecer por um momento que já ouve sofrimento, que já ouve distância.
Um momento em que se ouvirão apenas os gemidos e espasmos de prazer.
A mais bela, completa e espontânea canção da vida.
Quero ainda, nessas últimas horas, viver em função do seu corpo, não falarei nada. Deixarei que meu corpo se una ao dela. Trocando salivas, suor, hormônios e secreções.
Sentir seus movimentos, suas unhas rasgando minha pele, puxando os meus cabelos, enquanto trocamos beijos selvagens e ardentes.
Enquanto eu puder agüentar seremos um... apenas um.
E quando o clímax, me deixar inerme e sem forças.
Quando em meus lábios não restar nada além de uma respiração entrecortada, tomarei o vinho, e com ele morrerá esse que vos escreve. Ornamentem meu caixão com os lençóis que usamos e quanto as flores, quero lírios negros e orquídeas lilases.
Enterrem-me no alto de uma colina e no meu mausoléu, lugar para dois, esperarei por ela mesmo após a morte.
Deixarei este mundo, e comigo será extinto também a dor, o lamento, e as poesias ridículas que escrevia para reclamar minha sorte.
Só a morte há de nos separar, não perca tempo procurando soluções alternativas, essa é minha sina, meu derradeiro motejo.
E esse, meu último Anseio.
IZAÚ MELO